Posts Tagged ‘Luli Radfahrer

07
set
11

Dá pra fugir do Google?

A coluna do Luli Radfahrer na folha de hoje complementa bem o post anterior.

E eu penso no que nós professores estamos cobrando de nossos alunos. (Ainda não tenho filho, mas creio que essa indagação sirva perfeitamente).

A ditadura de certezas

A situação é banal e cotidiana, mereceria análise. Acesso o Google e digito “qual é”. Antes que consiga concluir o raciocínio, o sistema se apressa a finalizar minha pergunta, sugerindo: “o seu talento?”, “a boa?”, “o período fértil”, “o dia dos namorados?”. Sua prestatividade é compulsiva, típica de quem tem 12 anos, está fascinado em aprender os segredos do mundo e em ler a mente de seu interlocutor.

Por mais que sua energia irrite de vez em quando, é cômodo ter um servo desses por perto. Chega a beirar a decadência a forma e a intensidade com que se pergunta de tudo a ele, até mesmo coisas cuja resposta é conhecida, como o site do banco, do jornal -ou do próprio Google.

Há pouco mais de uma década, a informação tinha mais gosto de aventura. Em uma festa, um especialista poderia fascinar seus interlocutores com teorias e leituras. Hoje ele seria contestado por smartphones, cujo acesso ao Grande Repositório teriam sempre a informação mais fresca, mais atualizada, mais popular. Com a valorização da precisão, do volume e do acesso, os dados crus tomaram o lugar do contexto, a precisão ocupou o posto da descoberta, a resposta ficou mais importante que a pergunta. Não é um bom sinal.

Mentalidades, religiões e ideologias restritas são ambientes de certezas absolutas. A ditadura da opinião popular impede o aparecimento de qualquer nova ideia que, exatamente por ser nova, causa estranheza e desconforto. As palavras “civilização” e “cidade” têm a mesma origem, porque sempre foi preciso reunir um grupo extenso e variado de pessoas com históricos, formações e ideias múltiplas para criar algo efetivamente novo.

A internet surgiu como uma gigantesca cidade, uma rede conectora de cérebros ao redor do mundo. Poucos imaginariam que o efeito colateral da informação que ela popularizou seria o surgimento de uma nova economia, baseada em atenção. Quando todos falam, não há tempo nem interesse para que alguém seja todo ouvidos.

Daí a importância de um Google, que, curiosamente, não traz resposta alguma. Sua função é encontrá-la, agregá-la e redirecioná-la com base em sua popularidade. Páginas que tenham muitos links a referenciá-las ganham acesso à elite das 20 primeiras respostas encontradas, desde que se comportem adequadamente e falem direitinho, configurando seu código para atender às regras de boa etiqueta definidas pelo próprio sistema. A voz do povo torna-se a voz de Deus, por mais que seja difícil acreditar que alguma das 1,5 bilhão de páginas que referenciam “God” acreditem na infalibilidade da opinião pública.

A busca é só uma parte da inteligência que vem sendo terceirizada. Como ela, a orientação espacial e a tradução estão cada vez mais parecidas com a aritmética: técnicas arcaicas, quase desnecessárias. O Google+ provavelmente assumirá a verificação de referências e linhagem, função que hoje é relegada ao Facebook e um dia foi usada por sobrenomes ou castas.

Com o tempo, este poderoso servo ganha corpo e um poder sem precedentes. Seus olhos estão aí para nos ver melhor. Seus ouvidos, para nos escutar melhor. Como donos de cães de guarda, confiamos na lealdade de quem jurou nunca “fazer o mal”. Mas o que é “fazer o mal”? Não sei, pergunte para o Google.

20
jun
11

A internet é uma praça pública

Interessante documentário que contribui para a discussão sobre a “nova” vida. Indicado pelo Luli Radfahrer no facebook.

Melhor frase: “virtual é algo que não existe. Amizade virtual é você ser amigo daquele amigo imaginário que você tinha quando tinha cinco ou seis anos de idade. Ou você ser amigo do espelho”.

27
abr
11

Preparando profissionais para o século 19

Tirinha de André Dahmer

O texto abaixo é do Luli Radfahrer e saiu na folha hoje. Mas eu assino embaixo.

Esse cara é, entre outras coisas, autor de um dos melhores livros que já li: a arte da guerra para quem mexeu no queijo do pai rico.  Recomendo muito fortemente. Sempre me valeu a pena ler o que ele escreveu.

Todo mundo consegue perceber as mudanças. Só que a maioria só percebe na pele, quando sofre as consequências, de forma involuntária. São poucas as pessoas que conseguem perceber interagindo, se adaptando e tirando proveito da situação.

E, obviamente, a escola, por ser feita por pessoas, vai levando. Do jeito que dá. Se esforçando ao máximo para mudar o mímino. Tentando resolver os problemas novos com as ferramentas antigas.

Isso em todos os níveis. Assim, tanto a escola básica quanto os MBAs preparam igualmente bem as pessoas para o mercado de trabalho… do século 19!

Por que será que eu sempre lembro dessa música?

Sou escritor e consultor. Professor, só duas vezes por semana. Por isso posso dar-me ao luxo de ter uma agenda flexível: trabalho em casa, fujo do trânsito, entro em contato com a maioria das pessoas com quem convivo via telefone e internet. Nada me impede de largar tudo e ir para a praia no exato momento em que você lê este artigo em sua mesa de trabalho. Só não o faço porque, como todo mundo, aceito mais demandas do que seria humano atender.

Com a digitalização dos processos, cada vez mais profissionais têm regimes de trabalho como o meu, com reuniões em cafés e um código de vestimenta sem considerações mais profundas do que se uma peça de roupa está limpa, inteira e razoavelmente desamassada. A vida tecnológica tem, muitas vezes, a aparência desleixada da de um estudante universitário.

A maioria das escolas, no entanto, ainda parece qualificar o profissional do século 19. As que frequentei, por exemplo, me prepararam para um mundo muito diferente. Comparadas com a rotina que levo hoje, eram quase paramilitares. Se diziam “progressivas”, mas tinham códigos de vestimenta, horários rígidos, filas, contagens e chamadas. Avaliações aleatórias, sem direito a consulta, eram a norma. Como também o eram os trabalhos individuais, o preenchimento de relatórios e formulários para a realização de qualquer tipo de atividade, as punições morais na forma de notas e as restrições de circulação.

Mas o pior eram o que chamavam de “aulas”: aquelas longas sessões em que informações desconexas eram impostas por autocratas entediados a uma audiência trancafiada e imóvel, sem poder de voto, argumentação ou debate, que tinha que decorar nomes de organelas, fórmulas de mecânica, sistemas políticos gregos e reações de oxidação, mesmo que mostrasse vocação para o jornalismo ou eletrônica.

Não é preciso dizer que telefones celulares, YouTube e mídias sociais, se existissem na época, certamente seriam proibidos, sob a justificativa de atrapalharem a “didática”. O sistema, enfim, era mais claro em suas restrições –de movimento, de expressão e de atividade– do que em suas propostas. Se é que existia alguma proposta além de passar em um tal de exame vestibular para profissões hoje extintas.

As escolas de hoje são, é claro, diferentes. Mas não muito. Não sou pedagogo, mas me parece inadequado chamar de “educação” um sistema que desperdiça vários anos em um curso preparatório para uma única prova. E que, mesmo depois do obstáculo ser transposto, se perpetua pelos anos de faculdade, em nome da “adequação para o mercado de trabalho”. Que trabalho ainda demanda um comportamento de decorebas e isolamento?

É duro admitir, mas a maioria das crianças e adultos ainda vêm sendo adestrados segundo padrões do século 19. Qualquer profissional adaptado ao mercado contemporâneo sabe que o aprendizado é um processo contínuo, infinito e prazeroso. Ou pelo menos deveria sê-lo. Não surpreende que a maioria dos que se sentem adaptados sejam autodidatas. Ou que não tenham aprendido quase nada do que praticam em sala de aula.

Tampouco surpreende ouvir de profissionais bem-sucedidos que a faculdade mais os atrapalhou do que ajudou. Ou de tantos estudantes comentarem abertamente que seu maior objetivo é sair da escola rápido para começar a trabalhar logo de uma vez. Mesmo que depois voltem a ela em busca de novos certificados e mestrados, como se o conhecimento fosse finito e pudesse ser encapsulado, enclausurado… e esquecido.

É preciso rever a forma com que é ensinado, avaliado e cobrado o que se mostra nas escolas. Qualquer nerd ou gamer sabe muito bem que, quando o desafio é fascinante e socialmente reconhecido, os professores são reverenciados e os certificados, quase acessórios.




Ô mundão